sábado, 17 de junho de 2017

disseram que o tempo cura.
não cura.
disseram que o tempo acalma.
não acalma.
disseram que o tempo torna tudo mais fácil.
não torna.
disseram que o tempo atenua a dor.
não atenua.
disseram que o tempo faz o sofrimento passar.
não faz.

o tempo passa, só isso.
o tempo não faz passar.
o tempo passa com a gente por tudo.
e a gente tem que passar com o tempo.

o tempo faz a gente se acostumar.
mais ou menos.
faz a gente aprender a lidar com o tempo.
faz a gente aprender a lidar com o vazio.

a crueldade da ultima vez.
pq nuca sabemos quando será a ultima até ela ter acontecido. até depois. e falta tanta coisa para fazer, para dizer depois da ultima vez...
o ultimo dia, a ultima oportunidade, é tão cruel não saber que depois disso vai acabar.
não podemos nos adiantar e dizer tudo que queremos, sentimos, pq achamos que haverá outras oportunidades. 
não houve.
não há.
e seguimos arrependidos do que não foi dito, do que não foi feito. ou do que foi feito e não deveria. 
seguimos arrependidos pq a ultima vez é sempre cruel, não nos dá oportunidade de sermos tudo que queremos ser.
não nos dá a oportunidade de falarmos tudo o que queremos falar. fazer tudo o que queremos fazer. 
pq nunca sabemos que aquela vez será a ultima vez.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

Movimento Perpétuo

Ela saiu de casa como fazia todos os dias. Rotina. Há muito tempo tinha se acostumado com aquele compasso dos dias, um ritmo que nunca mudava. De alguma maneira isso a fazia se sentir confortável. As vezes confortável demais.

O dia parecia normal. Nem muito quente, nem muito frio. Não podia dizer que estava alegre mas também não podia dizer que estava triste. Equilíbrio. Buscou equilíbrio a vida toda e agora, quando finalmente o encontrou, não o suportava.

Resolveu continuar o dia como todo dia. Continuar a sua rotina. Pegou seu ônibus para o trabalho na mesma hora de sempre. Transito ruim como sempre. Pessoas conversando em seus celulares, dormindo, ouvindo musicas. Demorou o tempo usual para chegar no trabalho. Tomou seu café como fazia todos os dias, na sua caneca que estava no lugar onde deixou na sexta ao sair de lá.

Tudo igual. E por dentro ela sentia que a cada minuto morria um pouco. Sentia cada hora que passava como uma hora a menos da sua vida. Como uma ampulheta que perde seus grãos de areia para o tempo. E naquela repetição diária ela se sentia esvaziar. Ela sentia que estava perdendo mas não soube precisar o que. Não conseguia entender aquele sentimento. Alcançou tudo o que sempre sonhou. Um trabalho estável. Uma casa arrumada, móveis bonitos, roupas bacanas.

Desistiu da ideia de animais de estimação quando seu ultimo cachorro morreu. Não queria seres vivos que dependessem dela. Não tinha nem plantas. Talvez essa falta de contato com a vida estivesse minguando sua própria vida também. Mas não vivia completamente isolada de pessoas. Tinha alguns amigos mas não tinha mais paciência para eles. Estava sempre acompanhada quando saía mas se perguntasse a ela, não saberia te dizer prontamente quem era o carinha da ultima noite. Eles eram esquecíveis, precisava se esforçar para lembrar. Assim nunca via o mesmo cara mais de 3 vezes. Era uma regra silenciosa. Demorou para perceber que essa regra existia e isso a assustou. Por algum motivo se cansava ou até mesmo ficava com raiva desses homens que não conhecia direito.

Falta de interesse. Podia ser esse o problema. Não conseguia se interessar por quase nada. Livros, filmes, musicas. Via sempre os mesmos. Ouvia sempre as mesmas. Pra que mexer em time que está ganhando, pensava ela. E continuava o mesmo jogo.

Sem perceber estava carregando uma bomba relógio. Durante um tempo usava o álcool e algumas drogas para fazer o tempo passar. Não agora. Não precisava mais disso. Tinha percebido que podia apenas ignorar a passagem do tempo. O tempo passava e ela ia perdendo suas ambições com ele. Aprendeu também a controlar as expectativas. Não sei se controlar seria a palavra certa. Aprendeu a exterminar as expectativas. Assim não se frustrava por que simplesmente não esperava mais nada de ninguém.

E seguia assim, estéril e equilibrada, dia após dia. Algumas pessoas sentiam inveja da sua vida. Ela entendia. Era muito difícil alcançar aquele ponto onde estava. As vezes ela se orgulhava disso, mas nem tanto. Não sempre. Na verdade, tentava não parar para pensar na sua vida. Isso era um dos segredos para se manter satisfeita no seu movimento perpétuo.

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Aqui cabe um adendo: sabemos que maquinas de movimento perpetuo não existem, o que nesse momento só explicita o que está para acontecer cedo ou tarde - perda de movimento, fadiga ou extinção.

A história agora chega no seu ponto crítico. Já sabemos tudo que se passa, ou melhor, não se passa na vida dela. Já sabemos o que não acontece. O que ela não tem. Existem então algumas possibilidades:
- Ela pode continuar como está e terminar a vida como uma árvore velha, seca e retorcida, sem a seiva vital que dá cor aos dias. E assim tudo acaba aqui.
- Ela sempre pode, num arroubo de desespero, tirar a própria vida. Clichê, mas acontece. Saída aparentemente fácil, apesar de não ser uma decisão fácil, acredito. Podemos acompanhar os acontecimentos que a levariam ao final trágico, mas a história também não se desenrolaria muito mais.
- Ela pode se deparar com uma reviravolta. Essa é a opção mais óbvia se quisermos continuar a história. E aqui poderíamos dar muitos destinos a essa garota. Sim, vamos chamá-la de garota, não de mulher. Ela tem maturidade, idade e todas as características que a fariam se encaixar na categoria "mulher" mas ainda se sente como uma garota, então será tratada como tal.